quinta-feira, 19 de julho de 2012

se impessoal vs. se passivo

Caros colegas, seguem as respostas obtidas, de linguístas diferentes, a propósito da diferenciação do "se" impessoal" do "se passivo".
Espero ter ajudado (ou não!!!)
Tomei a liberdade de colocar a vermelho as partes que considero mais úteis.

A minha resposta preferida e que faz mais sentido é a primeira que transcrevo:

Executa-se trabalhos de carpintaria e Executam-se trabalhos de carpintaria. Ambas as Frases estão gramaticalmente correctas? Na afirmativa, qual a preferível?
Dani Torres (Portugal)

Do ponto de vista exclusivamente linguístico, as duas frases estão correctas, importando no entanto analisar ambas as estruturas para as compreender.

Assim, na estrutura da primeira frase (Executa-se trabalhos de carpintaria), estamos perante um pronome pessoal clítico -se, com função de sujeito impessoal que acompanha um verbo no singular, sendo semanticamente equivalente a “alguém executa trabalhos de carpintaria”.

Na estrutura da segunda frase (Executam-se trabalhos de carpintaria), estamos perante um pronome pessoal clítico -se apassivante que surge com um verbo no plural a concordar com o sujeito que é trabalhos de carpintaria, sendo semanticamente equivalente a “trabalhos de carpintaria são executados”.
Do ponto de vista do uso da língua, a estrutura da primeira frase (Executa-se trabalhos de carpintaria) é por vezes desaconselhada por alguns gramáticos. Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso CUNHA e Lindley CINTRA (Edições Sá da Costa, 1984, 14ª ed., pp. 308-309), há mesmo uma indicação de que “Em frases do tipo: Vendem-se casas. Compram-se móveis. considera-se casas e móveis os sujeitos das formas verbais vendem e compram, razão por que na linguagem cuidada se evita deixar o verbo no singular.”

Bibliografia: João Andrade PERES e Telmo MÓIA, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 1995, pp. 234-237; José Carlos de AZEREDO, Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, São Paulo: Publifolha, 2008, pp. 274-275; Evanildo BECHARA, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002, p. 178.

Diz-se "vendem-se casas" ou "vende-se casas"?
Débora (Portugal)

Do ponto de vista exclusivamente linguístico, nenhuma das duas expressões pode ser considerada incorrecta.

Na frase Vendem-se casas, o sujeito é casas e o verbo, seguido de um pronome se apassivante, concorda com o sujeito. Esta frase é equivalente a casas são vendidas.

Na frase Vende-se casas, o sujeito indeterminado está representado pelo pronome pessoal se, com o qual o verbo concorda. Esta frase é equivalente a alguém vende casas.

Esta segunda estrutura está correcta e é equivalente a outras estruturas muito frequentes na língua com um sujeito indeterminado (ex.:não se come mal naquele restaurante; trabalhou-se pouco esta semana), apesar de ser desaconselhada por alguns gramáticos, sem contudo haver argumentos sólidos para tal condenação. Veja-se, por exemplo, a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso CUNHA e Lindley CINTRA [Edições Sá da Costa, 1984, 14ª ed., pp. 308-309], onde se pode ler “Em frases do tipo: Vendem-se casas. Compram-se móveis. considera-se casas e móveis os sujeitos das formas verbais vendem e compram, razão por que na linguagem cuidada se evita deixar o verbo no singular”.

Bibliografia: João Andrade PERES e Telmo MÓIA, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, 1995, pp. 234-237; José Carlos de AZEREDO, Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, São Paulo: Publifolha, 2008, pp. 274-275; Evanildo BECHARA, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002, p. 178.

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[Pergunta] «Não se desabotoa as calças em público», ou «não se desabotoam as calças em público»?
Obrigada!

Carolina Ferreira:: Jurista :: Lisboa, Portugal

[Resposta] A partir de frases como «Vende-se casas» e «Vendem-se casas», João Andrade Peres e Telmo Móia dizem na página 237 da 2.ª edição de Áreas Críticas da Língua Portuguesa: «Na nossa opinião, ambas as construções são aceitáveis, embora se possa preferir uma ou outra por razões estilísticas. A nossa posição resulta de dois factores: por um lado a aceitação generalizada por parte dos falantes que o uso do clítico impessoal com verbos transitivos parece ter; por outro lado, o facto de não julgarmos haver razões — estruturais ou semânticas — para aceitar a construção com o clítico impessoal nuns casos e rejeitá-la noutros.»
Esta é a posição prevalecente hoje para construções deste tipo: considera-se que as duas construções estão correctas, sendo o valor do clítico se diferente em cada uma delas. Na frase «Não se desabotoa as calças em público», o clítico se tem valor impessoal; na frase «Não se desabotoam as calças em público», o se tem valor apassivante. O se impessoal indica indeterminação do sujeito, e o verbo que o acompanha é sempre singular, não tendo de concordar com nenhum outro elemento da frase; ao passo que o verbo que acompanha o se apassivante concorda em número com o seu agumento interno (neste caso, as calças).
Importa dizer, no entanto, que gramáticos mais puristas consideravam que o clítico se impessoal não podia ser usado com verbos transitivos. Segundo Napoleão Mendes de Almeida, na sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa, em construções deste tipo, com verbo transitivo, o verbo deve concordar com o constituinte que está na posição de complemento (à direita do verbo), uma vez que nestes casos o clítico se expressa passividade. Segundo esta perspectiva, a frase em questão deveria ser «não se desabotoam as calças em público».
Resta acrescentar que se usa o verbo sempre no singular, se não se tratar de um verbo transitivo directo. Diz Mendes de Almeida que se emprega «a vozpassiva com os verbos intransitivos e transitivos indirectos paraindicar impessoalidade, isto é, para indeterminar o sujeito do verbo, ficando o verbosempre no singular» (p. 217). Dá como exemplos «No Rio de Janeiro passeia-se muito» ou «Precisa-se de costureiras».
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Vendem-se casas

[Pergunta] Vende-se ou vendem-se?
As respostas dadas não são esclarecedoras, acho eu... J.N.H. dá 2 respostas contraditórias : ao ler a 1.ª fiquei com uma ideia, ao ler a 2.ª fiquei com a ideia contrária. Ficarei sempre assim ou será possível uma ajuda transparente?

João Florindo:::: Portugal

[Resposta] Na minha opinião e na de muitos gramáticos, o verbo deve empregar-se no plural, porque o sujeito está no plural. Em «vendem-se casas», «colhem-se flores», «batem-se os ingredientes», o sujeito é casas, flores, ingredientes, isto é, os objectos que sofrem a acção, como é de regra na voz passiva. De facto, estas orações estão na voz passiva, por força da partícula apassivante se: é como se disséssemos «casas são vendidas», «flores são colhidas», «os ingredientes são batidos».
Há autores que consideram que o se é pronome indefinido, funcionando assim como sujeito; então estas frases seriam «vende-se casas» = «alguém vende casas», «colhe-se flores» = «alguém colhe flores», etc.
Discordo deles. O se pronome indefinido emprega-se com verbos intransitivos, em frases como «trabalha-se bem nesta casa», «vive-se mal nesta terra»: alguém trabalha, alguém vive – sujeito indefinido, verbo no singular.
Não sei se fui clara... Se foi o caso, pergunte novamente.
T.A.:: 21/01/2003
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Construções com o clítico se

[Pergunta] Sempre estudei que a gramática e o bom senso nunca abonaram a construção se (com função de sujeito) e o pronome o e suas flexões a, os e as (objeto direto), por ser contrária à índole da língua portuguesa.
Uma questão de concurso público, entretanto, afirmou que a construção «podem ser descritas» equivale à construção «pode-se descrevê-las».
Ora, esta última maneira de construir fere precisamente a norma gramatical supramencionada, porquanto o pronome se está claramente exercendo a função de sujeito da locução verbal ou conjugação perifrástica «pode descrever». Conforme tudo o que pude equilibradamente compreender ao longo de mais de vinte anos de dedicação a estudos gramaticais, o modo correto de escrever o equivalente a «podem ser descritas» é «podem-se descrever» ou «podem descrever-se».
O torneio «pode-se descrevê-las», além de agredir hediondamente a tradição gramatical e o gênio da língua portuguesa estreme, não me parece nada passivo, uma vez que o se (função francesa) está desempenhando a função de sujeito, o que vai também de encontro à origem do idioma português (o se do latim não exercia a função nominativa).
Importa-me saber a vossa opinião a respeito dessas considerações.

Paulo Aimoré Oliveira Barros:: Servidor federal :: Garanhuns, Brasil

[Resposta] De facto, como notam Telmo Móia e João Andrade Peres (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, p. 237), a este propósito, «[...] o clítico se apassivante acompanha sempre formas de verbos transitivos, flexionados no singular ou no plural consoante o número gramatical do argumento com que concordam [...]:
(1) Comprou-se um livro encadernado;
(2) Compraram-se vários livros para a biblioteca.
Em qualquer destas frases, a expressão com que o verbo concorda é um argumento interno que se realiza numa frase ativa como um complemento direto, razão por que afirmamos estar perante uma construção passiva (de clítico)».
Já no que diz respeito ao clítico se impessoal, referem os citados investigadores (op. cit., pp. 236-237) que «é uma expressão que indica a existência de um sujeito indeterminado numa frase. [...]:
(3) Naquela festa, cantou-se a noite inteira.
(4) Vive-se bem em países de clima mediterrânico.
(5) Ouve-se ruídos durante a noite.
Este clítico impessoal acompanha sempre formas verbais singulares. As frases em que ele ocorre são frases de sujeito indeterminado em que o verbo surge numa forma de terceira pessoa do singular, não concordando com qualquer expressão da frase. Distingue-se, pois, neste aspeto, do clítico apassivante, que pode ser combinado [...] com formas verbais singulares e plurais. [...] o clítico impessoal distingue-se ainda do clítico apassivante no que respeita ao tipo de verbos com que se pode combinar. Com efeito, pode surgir tanto em frases com verbos intransitivos [cf. (3) e (4), em que temos os verbos cantar e viver, respetivamente], como em frases com verbos transitivos [cf. (5), em que temos o verbo ouvir]. Já o clítico se passivo só é compatível [...] com verbos transitivos».
A propósito, justamente, do aspeto que salienta o prezado consulente, dizem ainda Móia e Andrade que «importa notar que alguns puristas apenas admitem as construções em que o clítico se impessoal se combina com verbos intransitivos, rejeitando, pois, frases em que o verbo é transitivo e tem um segundo argumento não preposicionado com que não concorda», como acontece no enunciado aqui proposto – «pode-se descrevê-las» –, bem como nas seguintes frases:
(6) «Ouviu-se ruídos durante toda a noite.»
(7) «Recitou-se versos de Pessoa.»
(8) «Vende-se casas.»
Deste modo, propõem os referidos puristas em alternativa a este tipo de estruturas as seguintes construções passivas de clítico, em que o verbo surge na forma plural:
(9) «Ouviram-se vários ruídos durante a noite.»
(10) «Recitaram-se versos de Pessoa.»
(11) «Vendem-se casas.»
Na opinião de Telmo Móia e João Andrade Peres (com a qual concordo inteiramente), «ambas as construções são aceitáveis, embora admitamos que se possa preferir uma ou outra por razões estilísticas». Chega-se a esta conclusão por dois motivos essenciais: «por um lado, a aceitação generalizada por parte dos falantes que o uso do clítico impessoal parece ter; por outro lado, o facto de não julgarmos haver razões – estruturais ou semânticas – para aceitar a construção com o clítico impessoal nuns casos e rejeitá-la noutros.»
Assim, e para tentarmos sistematizar, «podemos dizer que, se numa dada frase a forma verbal é plural, então só podemos estar perante um se passivo [razão pela qual considero, na linha do defendido pelo prezado consulente, que a proposta feita no citado concurso não me parece correta, devendo a opção válida entroncar na sugestão aqui apresentada – «podem-se descrever» ou «podem descrever-se»]. Por outro lado, se a forma verbal é intransitiva, então só podemos estar perante um se impessoal».
No que concerne «aos casos em que a forma verbal é transitiva e singular, pode verificar-se uma de duas situações: ou o segundo argumento do verbo é plural — caso em que não concorda com o verbo —, e estamos perante uma construção impessoal do tipo que referimos não ser aceite por alguns puristas [cf. (5)], ou o segundo argumento é singular [cf. (1)]. Admitimos duas possibilidades de análise estrutural deste último tipo de frases – como construções passivas (em que um argumento interno – neste caso, um livro encadernado – é sujeito) e como construções impessoais (em que temos um sujeito indeterminado e o argumento interno é complemento direto). Podemos, pois, dizer que frases como (1) são estruturalmente ambíguas. Trata-se, no entanto, de uma ambiguidade estritamente sintática, que não tem consequências ao nível semântico, já que a informação veiculada é a mesma nas duas construções» (op. cit., p. 238).
Tendo em conta, portanto, o raciocínio exposto, resta-me referir que, numa visão mais lata (isto é, menos purista) do funcionamento da língua portuguesa, julgo que a construção «pode-se descrevê-las» deverá ser aceite, o que não invalida, como é evidente, o erro de apreciação que terá sido sustentado no concurso público referido pelo consulente, pois, ainda fundamentados no exposto, efetivamente, parece não haver dúvidas de que a formulação «podem ser descritas» é passiva.

Pedro Mateus:: 05/03/2012



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