Fim de semana = composto morfossintático
[Pergunta] Palavras como malmequer, claraboia, língua
da sogra, fim de semana, em que não é possível deduzir o seu
significado a partir dos elementos que as constituem, são palavras com
estrutura complexa, mas que, quanto ao significado, se assemelham a palavras
simples.
Quando expliquei que fim de semana
era uma locução e que, com o novo Acordo Ortográfico, perdia os hífenes,
classifiquei-a de composto morfossintático. Estarei correta, ou tratar-se-á de
uma palavra simples. Na TLEBS falava-se em palavras lexicalizadas.
Cristina Fontes::
Professora :: Braga, Portugal
[Resposta] À luz do Dicionário Terminológico (DT), destinado a apoiar em Portugal o ensino
da gramática no ensino básico e secundário, a palavra fim de semana não
é uma palavra simples, é uma palavra complexa, formada por composição
morfossintática.
Segundo o DT, palavras como caseiro
e casa de banho são palavras complexas, sendo a primeira formada por
derivação, e a segunda, por composição. A palavra fim de semana, de
estrutura idêntica a casa de banho, porque apresenta dois substantivos
ligados por uma preposição, é, por isso, um composto. Como a estrutura destes
compostos depende da relação sintática e semântica entre os seus membros,
diz-se também que são compostos morfossintáticos (cf. idem).
Quanto à palavra locução, é um
termo genérico usado, no Acordo Ortográfico de 1990, para referir a grafia de certos compostos.
Carlos Rocha::
13/03/2012
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As palavras compostas e o AO
[Pergunta] No estudo das palavras compostas numa turma do 5.º
ano de escolaridade, surgiu a seguinte dúvida: uma vez que, ao abrigo do novo
acordo ortográfico, nas palavras como fim-de-semana, cor-de-vinho
ou fios-de-ovos suprime-se a grafia do hífen, considera-se, da mesma
forma, que são palavras compostas, ou a terminologia é deferente? Tenho
a impressão de que os alunos poderão perder, de certa forma, a noção de palavra
se classificar, por exemplo, fim de semana como uma palavra composta. Desde já
agradeço a vossa colaboração.
Lúcia Maciel::
Professora :: Viana do Castelo, Portugal
[Resposta] As palavras fim de semana, cor de vinho
ou fios de ovos continuam a ser compostos.
Se o hífen não é critério para
distinguir palavras derivadas de palavras compostas (infeliz vs. guarda-roupa,
mas pré-história, com prefixo), então também não o deve ser para
rejeitar fim de semana como palavra composta. Por outras palavras, há
expressões que contêm elementos de ligação, não têm hífen e são também
compostos — morfossintáticos, como neste caso. Note-se que o próprio Dicionário
Terminológico apresenta como composta uma expressão
sem elemento de ligação como via láctea (muito embora se trate de
palavra tratada como nome próprio, que exige maiúsculas iniciais: Via Láctea
— cf. Dicionário Houaiss).
Esta situação dificulta, sem dúvida, o
reconhecimento de tais compostos, porque passam a confundir-se com outras
expressões que não se usam como unidades lexicais, mantendo a sua
composicionalidade (isto é, a autonomia semântica dos seus elementos; cf. pôr
do sol, palavra composta vs. «livro do rapaz», expressão
constitutiva de um grupo nominal em «o livro do rapaz caiu ao chão»).
Sei, contudo, que a prática
lexicográfica (ver Dicionário Houaiss de 1999) leva a que estes
compostos que incluem preposições não tenham entrada própria, mas apareçam como
subentrada de uma das palavras constituintes: ou seja, o composto fim de
semana encontra-se no verbete correspondente a fim ou a semana.
Não é assim, porém, que o Vocabulário Ortográfico do Português os elenca, antes lhes
atribuindo entrada própria.
Em suma, os compostos não hifenizados
que incluam preposições ou outros elementos de ligação (pôr do sol, dia
a dia) e não designem espécies botânicas ou zoológicas são palavras
compostas. Em contexto escolar, será, pois, necessário ter em conta que há
compostos que, por se escreverem sem hífen, se confundem com grupos sintáticos.
Carlos Rocha::
10/02/2012
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Palavras lexicalizadas
[Pergunta] No dia 17/11/06, li uma resposta
sobre o tema em epigrafe que dizia que “amor-perfeito” e “água-pé” eram
palavras lexicalizadas porque «a palavra complexa lexicalizada deixou de ter
uma estrutura composicional, isto é, não existe nenhum processo de formação de
palavras no português contemporâneo que permita gerar palavras como estas». Ora
muito honestamente não consigo adequar esta definição às palavras em causa. A
mim parecem-me ser antes compostos morfossintácticos tais como “decreto-lei”,
“couve-flor”, etc. Será que me podem elucidar?
Manuela Cunha::
Professora :: Porto, Portugal
[Resposta] Na verdade, a estrutura de cada uma destas palavras
parece seguir o padrão dos compostos morfossintá(c)ticos (amor-perfeito
= N + Adj., água-pé = N + N) e não há grande problema que seja assim
explicado aos alunos. Mas repare que na formação do plural já começa a
reflectir-se um fenó[ô]meno de lexicalização de água-pé: água-pés
(ainda ocorre “águas-pés”).
Em termos de transposição didá(c)tica,
não é a designação que nos interessa mas a compreensão do que está por detrás
dessa designação. A explicação de que se trata de palavras lexicalizadas
envolve dois planos de análise:
1. significado da palavra complexa;
2. geração de novas palavras complexas, seguindo a mesma estrutura composicional.
1. significado da palavra complexa;
2. geração de novas palavras complexas, seguindo a mesma estrutura composicional.
Vejamos o plano do significado destas
palavras complexas: em nenhuma delas, amor-perfeito e água-pé, o
sentido da palavra final é a soma, o resultado, dos sentidos do N + Adj. ou do
N + N que as compõem: amor-perfeito é uma flor, e água-pé, um
vinho aguado. Isto não acontece com os termos que utilizou como exemplos: decreto-lei
é um decreto que é lei, couve-flor é uma couve que tem a forma de uma
flor. Daí que possa agora, talvez, ficar mais transparente o 2.º plano de análise: como gerar novas
palavras complexas, do gé[ê]nero de amor-perfeito ou água-pé, se
não temos processo de formação de palavras que nos ensine a fazê-lo? Ou seja, a
estrutura composicional, quanto ao sentido, perdeu-se. Daí que se diga que «a
palavra complexa lexicalizada deixou de ter uma estrutura composicional, isto
é, não existe nenhum processo de formação de palavras no português
contemporâneo que permita gerar palavras como estas». Pouco a pouco, estas
palavras entrarão na língua como palavras simples, fica para trás o sentido
inicial que lhes deu origem. Veja a palavra embora: quantos sabem que já
foi «em-boa-hora»? O que interessa para os alunos? Que saibam que estas duas
palavras, amor-perfeito e água-pé, ainda são palavras complexas.
São compostos, cuja estrutura é igual a N +Adj. e N + N, respectivamente. A
primeira segue a regra geral de formação do plural dos compostos com esta
estrutura, a segunda já está a seguir a regra geral de formação do plural das
palavras simples.
Espero ter contribuído para o esclarecimento da sua dúvida.
Espero ter contribuído para o esclarecimento da sua dúvida.
Filomena Viegas
GramáTICª.pt
No caso de não estar ainda inscrito(a), por favor, entre como Visitante.
------------------------------------------------------No caso de não estar ainda inscrito(a), por favor, entre como Visitante.
Os afixos de flexão
[Pergunta] Quais são os afixos considerados de flexão, inerentes
às palavras simples?
Maria João Cunha::
Professora :: Vila Real, Portugal
[Resposta] Dependendo da palavra simples, ela poderá variar em
género e em número, se se tratar de um nome ou de um adjetivo. Poderá variar em
número, pessoa, tempo e modo, se for um verbo. Os elementos envolvidos nesta
variação das palavras constituem os afixos de flexão, que se distinguem dos
outros pelo facto de a palavra continuar a ser simples mesmo quando mudado o
afixo, ou quando há mais de um afixo, como é o caso da palavra meninas,
que tem o afixo de género -a e o afixo de plural -s.
Edite Prada::
07/11/2011
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Radical, base e palavra simples no
ensino em Portugal
[Pergunta] Estamos a programar o próximo ano letivo e eu e as
minhas colegas deparámo-nos com a seguinte dúvida: como explicar a alunos de
5.º ano a noção de radical/forma de base/palavra simples? Será necessário
abordar todos estes conceitos?
Muito obrigada pelos possíveis
esclarecimentos prestados.
Aurora Saraiva::
Professora :: Lisboa, Portugal
[Resposta] Compreendo a preocupação, sobretudo num ano em que,
em Portugal, todos os programas de Português do ensino básico vão entrar em vigor. Ao entrarem todos em vigor ao
mesmo tempo, poderão acontecer perplexidades como a que é apresentada.
Futuramente, quando ao 5.º ano chegarem alunos a quem já tenha sido veiculado o
programa que vai entrar em vigor no próximo ano lectivo, essa questão
colocar-se-á com menos acuidade, uma vez que os aspectos referidos são de
aquisição explícita no 1.º ciclo, como se pode verificar na página 55 dos novos
programas.
Se tivermos em conta o que se refere no programa anterior do 1.º ciclo, verificamos que não é explicitado esse conteúdo, sendo a referência mais próxima a que surge na p. 159: «Organizar famílias de palavras (segundo critérios diversificados).» É provável, pois, que os alunos se confrontem pela primeira vez com essa terminologia, não por ser nova, mas por não ser de explicitação obrigatória no ciclo de que vêm.
Se tivermos em conta o que se refere no programa anterior do 1.º ciclo, verificamos que não é explicitado esse conteúdo, sendo a referência mais próxima a que surge na p. 159: «Organizar famílias de palavras (segundo critérios diversificados).» É provável, pois, que os alunos se confrontem pela primeira vez com essa terminologia, não por ser nova, mas por não ser de explicitação obrigatória no ciclo de que vêm.
A problemática das famílias de palavras
mantinha-se no programa do 5.º ano, ao passo que os conceitos de derivação e de
composição eram abordados, segundo o programa que esteve em vigor até ao
anterior ano lectivo, no 6.º ano (página 44 do programa). Imagino que seria
aqui, no 6.º ano, que se impunha a introdução de termos como prefixo e sufixo.
Voltando à forma de abordar estes
conceitos, na página 55 dos novos programas, já referida, na nota 1, refere-se
como sugestão de actividades para a identificação de radicais e de afixos o
seguinte: «Actividades que permitam descobrir que os afixos são portadores de
sentido; descobrir o sentido mais frequente de alguns afixos (ex. –inho com
sentido diminutivo; in- com sentido de negação).»
Por seu lado, na página 93 do novo
programa, há, também, algumas indicações, nas notas 6 a 8, que poderão ajudar a
abordar a questão. Por exemplo, na nota 6, refere-se a identificação de padrões
de formação de palavras.
Na nota 7, explicita-se o trabalho com o
sufixo -mente, que, de alguma forma, completa o que se diz na nota 6,
uma vez que há uma regularidade, ou um padrão: aplica-se o sufixo ao feminino
dos adjectivos…
Na nota 8 sugere-se a comparação de
palavras para descobrir a sua formação.
Quanto à pergunta sobre a necessidade de
abordar esses conceitos, uma vez que eles são do ciclo anterior, não vejo como
não o fazer, até porque eles se tornam necessários para o desenvolvimento dos
conhecimentos explícitos relativos à derivação e à composição, que, essas, sim,
são de explicitação obrigatória no 2.º ciclo, mas não necessária e
exaustivamente no 5.º ano.
Como abordar estes conceitos? Devo,
antes de mais, referir que a didáctica do 2.º ciclo não é o meu forte, dado ser
professora do 3.º ciclo e do secundário. Todavia, parece-me que o estudo das
famílias de palavras pode servir de pretexto para introduzir estes conceitos.
Ilustro com uma lista de palavras da família de doce: doce; agridoce;
adoçar; docinho; doçura; adoçante; adocicar;
adocicado; arroz-doce; batata-doce; delicodoce; doceira;
docemente; erva-doce; adocicadamente.
Como é que os alunos conseguem fazer, ou
identificar, uma família de palavras? Qual é o elemento que permite fazê-lo?
Bom! Temos o radical… Mesmo quando na palavra há mais de um, como acontece em agridoce,
delicodoce, arroz-doce, erva-doce e batata-doce, a
família de palavras está construída em torno do radical doc... Como é
que sabemos que o radical não é doce e, sim, doc? É só reparar em
palavras como doce, docinho, adoçar.
A vogal junto à consoante c muda, pelo que não faz parte do radical. Qual é a palavra
que mais se aproxima do radical? Essa será uma palavra simples… As outras têm
elementos que se podem unir a outras palavras para construir sentidos novos ou
palavras novas: a- (linha: alinhavar; massa: amassar,
fixo: afixar, etc.); -ura (amargo: amargura;
aberto: abertura; armar: armadura, etc.); -inho
(doce: docinho; rapaz: rapazinho, etc.). Acontece
que esses elementos (a-, -ura e -inho) não têm vida
própria, ou seja, não podem surgir sozinhos. Só fazem sentido associados a um
radical. Por isso se chamam afixos, porque se afixam
a um radical, ou a uma base…
Como falaremos de base? Base é,
no Dicionário Terminológico (DT), um «[c]onstituinte morfológico, que
inclui obrigatoriamente um radical, a partir do qual se formam novas palavras.
Exemplos "doc-" é a base para "adoçar"; "adoça-"
é a base para "adoçante".»
Se voltarmos à nossa família de
palavras, e tendo em conta o que o DT refere, poderemos concluir que, em
alguns casos, a forma de base se confunde com o radical. Noutros casos, ao
radical já foram anexados outros afixos que o fizeram mudar, por exemplo, de
classe de palavras. É o que acontece com adoçar, em que a doc, se
acrescentou -ar, sufixo que serve para criar verbos. Ou com adocicar,
que contém o sufixo -icar, que forma verbos veiculando, simultaneamente,
uma ideia de diminutivo. Tanto o verbo adoçar como o verbo adocicar
permitem associar à sua base outros sufixos para criar novas palavras, como é o
caso de adocicado, adocicadamente, adoçante, adoçado...
Creio que poderão consultar com proveito
as fichas
para o 2.º ciclo que são apresentadas na página da Direcção-Geral
de Inovação e de Desenvolvimento Curricular
(DGIDC). Na ficha 5 de CEL (Conhecimento Explícito da Língua), no exercício 2,
há propostas de actividades que podem ser utilizadas para trabalhar esta
temática.
Bom trabalho!
Edite Prada::
28/07/2011
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A formação de vinagre, aguardente
e fidalgo no Dicionário Terminológico
[Pergunta] Gostaria de saber onde se insere, no Dicionário
Terminológico, a formação das palavras (antes
denominadas de compostas por aglutinação) vinagre, aguardente, fidalgo
e outras semelhantes.
Obrigada.
Rosélia Fonseca::
Professora :: Funchal, Portugal
[Resposta] Aglutinação é um termo que designa a forma que
a palavra composta adquire. No Dicionário Terminológico (DT), como
também na Gramática
da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, e ainda na
obra de Margarita Correia e Lúcia Lemos, Inovação Lexical em Português, Edições Colibri, 2005, opta-se por uma designação
que tem como base não a forma que a palavra adota, mas, sim, o tipo de relação,
ou, melhor, o tipo de estrutura de cada palavra que vai entrar na composição. E
essa relação pode ser morfológica, se se estabelece ligação entre um (ou mais)
radical e uma palavra, ou morfossintática (para Margarita Correia, na obra
referida, sintagmática), se a ligação se estabelece entre duas palavras
(independentemente da presença do hífen).
Com base na definição constante no DT,
poderemos dizer que vinagre e aguardente são compostos
morfológicos, respetivamente vin + agre e agu + ardente.
O caso de fidalgo causa algumas dificuldades de classificação. Se
tivermos em conta a sua estrutura-base original, digamos assim, o que temos é
uma expressão composta por duas palavras, ou, melhor, dois nomes, relacionadas
entre si por uma preposição, filho de algo, não sendo comum a
representação destas estruturas lexicalizadas com a forma aglutinada. Por outro
lado, a classificação da forma fi- como radical de filho [latim filiu(m)] poderá ser problemática.
A questão que se coloca, e tendo em
conta a necessidade de veicular os conceitos referentes à composição em
contexto escolar, é a pertinência de utilizar exemplos cuja formação de base já
não é sentida pelo alunos. Na verdade, fidalgo está atestada como
palavra, segundo o dicionário Houaiss,
desde o séc. XIII; vinagre, desde o séc. XIV, e aguardente,
desde o séc. XV.
Do ponto de vista diacrónico da língua,
são palavras compostas, mas do ponto de vista sincrónico, que nos deve levar a
estudar a língua hoje e com as mudanças de hoje, pode não ser pertinente
estudar exemplos cuja estrutura os alunos já não sejam, intuitivamente, capazes
de identificar. Isso prende-se, claramente, com o exemplo fidalgo. Já
com vinagre e com aguardente creio que o problema se não coloca
de forma tão intensa. E coloca-se ainda menos se tivermos em conta que um dos
exemplos de composto morfológico do DT é agricultura,
identificada, no dicionário já referido, como palavra desde o séc. XV.
Em síntese, as três palavras em apreço
são compostos morfológicos, constituindo fidalgo uma exceção, que
pode dificultar a sua utilização para veicular regras gerais de formação de
palavras.
Edite Prada::
24/05/2011
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