segunda-feira, 16 de julho de 2012

Algumas respostas do Ciberdúvidas - Morfologia


Fim de semana = composto morfossintático

[Pergunta] Palavras como malmequer, claraboia, língua da sogra, fim de semana, em que não é possível deduzir o seu significado a partir dos elementos que as constituem, são palavras com estrutura complexa, mas que, quanto ao significado, se assemelham a palavras simples.
Quando expliquei que fim de semana era uma locução e que, com o novo Acordo Ortográfico, perdia os hífenes, classifiquei-a de composto morfossintático. Estarei correta, ou tratar-se-á de uma palavra simples. Na TLEBS falava-se em palavras lexicalizadas.

Cristina Fontes:: Professora :: Braga, Portugal

[Resposta] À luz do Dicionário Terminológico (DT), destinado a apoiar em Portugal o ensino da gramática no ensino básico e secundário, a palavra fim de semana não é uma palavra simples, é uma palavra complexa, formada por composição morfossintática.

Segundo o DT, palavras como caseiro e casa de banho são palavras complexas, sendo a primeira formada por derivação, e a segunda, por composição. A palavra fim de semana, de estrutura idêntica a casa de banho, porque apresenta dois substantivos ligados por uma preposição, é, por isso, um composto. Como a estrutura destes compostos depende da relação sintática e semântica entre os seus membros, diz-se também que são compostos morfossintáticos (cf. idem).

Quanto à palavra locução, é um termo genérico usado, no Acordo Ortográfico de 1990, para referir a grafia de certos compostos.

Carlos Rocha:: 13/03/2012
-------------------------------------------------
As palavras compostas e o AO

[Pergunta] No estudo das palavras compostas numa turma do 5.º ano de escolaridade, surgiu a seguinte dúvida: uma vez que, ao abrigo do novo acordo ortográfico, nas palavras como fim-de-semana, cor-de-vinho ou fios-de-ovos suprime-se a grafia do hífen, considera-se, da mesma forma, que são palavras compostas, ou a terminologia é deferente? Tenho a impressão de que os alunos poderão perder, de certa forma, a noção de palavra se classificar, por exemplo, fim de semana como uma palavra composta. Desde já agradeço a vossa colaboração.

Lúcia Maciel:: Professora :: Viana do Castelo, Portugal

[Resposta] As palavras fim de semana, cor de vinho ou fios de ovos continuam a ser compostos.

Se o hífen não é critério para distinguir palavras derivadas de palavras compostas (infeliz vs. guarda-roupa, mas pré-história, com prefixo), então também não o deve ser para rejeitar fim de semana como palavra composta. Por outras palavras, há expressões que contêm elementos de ligação, não têm hífen e são também compostos — morfossintáticos, como neste caso. Note-se que o próprio Dicionário Terminológico apresenta como composta uma expressão sem elemento de ligação como via láctea (muito embora se trate de palavra tratada como nome próprio, que exige maiúsculas iniciais: Via Láctea — cf. Dicionário Houaiss).

Esta situação dificulta, sem dúvida, o reconhecimento de tais compostos, porque passam a confundir-se com outras expressões que não se usam como unidades lexicais, mantendo a sua composicionalidade (isto é, a autonomia semântica dos seus elementos; cf. pôr do sol, palavra composta vs. «livro do rapaz», expressão constitutiva de um grupo nominal em «o livro do rapaz caiu ao chão»).

Sei, contudo, que a prática lexicográfica (ver Dicionário Houaiss de 1999) leva a que estes compostos que incluem preposições não tenham entrada própria, mas apareçam como subentrada de uma das palavras constituintes: ou seja, o composto fim de semana encontra-se no verbete correspondente a fim ou a semana. Não é assim, porém, que o Vocabulário Ortográfico do Português os elenca, antes lhes atribuindo entrada própria.

Em suma, os compostos não hifenizados que incluam preposições ou outros elementos de ligação (pôr do sol, dia a dia) e não designem espécies botânicas ou zoológicas são palavras compostas. Em contexto escolar, será, pois, necessário ter em conta que há compostos que, por se escreverem sem hífen, se confundem com grupos sintáticos.

Carlos Rocha:: 10/02/2012
-----------------------------------------

Palavras lexicalizadas

[Pergunta] No dia 17/11/06, li uma resposta sobre o tema em epigrafe que dizia que “amor-perfeito” e “água-pé” eram palavras lexicalizadas porque «a palavra complexa lexicalizada deixou de ter uma estrutura composicional, isto é, não existe nenhum processo de formação de palavras no português contemporâneo que permita gerar palavras como estas». Ora muito honestamente não consigo adequar esta definição às palavras em causa. A mim parecem-me ser antes compostos morfossintácticos tais como “decreto-lei”, “couve-flor”, etc. Será que me podem elucidar?

Manuela Cunha:: Professora :: Porto, Portugal

[Resposta] Na verdade, a estrutura de cada uma destas palavras parece seguir o padrão dos compostos morfossintá(c)ticos (amor-perfeito = N + Adj., água-pé = N + N) e não há grande problema que seja assim explicado aos alunos. Mas repare que na formação do plural já começa a reflectir-se um fenó[ô]meno de lexicalização de água-pé: água-pés (ainda ocorre “águas-pés”).

Em termos de transposição didá(c)tica, não é a designação que nos interessa mas a compreensão do que está por detrás dessa designação. A explicação de que se trata de palavras lexicalizadas envolve dois planos de análise:
1. significado da palavra complexa;
2. geração de novas palavras complexas, seguindo a mesma estrutura composicional.

Vejamos o plano do significado destas palavras complexas: em nenhuma delas, amor-perfeito e água-pé, o sentido da palavra final é a soma, o resultado, dos sentidos do N + Adj. ou do N + N que as compõem: amor-perfeito é uma flor, e água-pé, um vinho aguado. Isto não acontece com os termos que utilizou como exemplos: decreto-lei é um decreto que é lei, couve-flor é uma couve que tem a forma de uma flor. Daí que possa agora, talvez, ficar mais transparente o 2.º plano de análise: como gerar novas palavras complexas, do gé[ê]nero de amor-perfeito ou água-pé, se não temos processo de formação de palavras que nos ensine a fazê-lo? Ou seja, a estrutura composicional, quanto ao sentido, perdeu-se. Daí que se diga que «a palavra complexa lexicalizada deixou de ter uma estrutura composicional, isto é, não existe nenhum processo de formação de palavras no português contemporâneo que permita gerar palavras como estas». Pouco a pouco, estas palavras entrarão na língua como palavras simples, fica para trás o sentido inicial que lhes deu origem. Veja a palavra embora: quantos sabem que já foi «em-boa-hora»? O que interessa para os alunos? Que saibam que estas duas palavras, amor-perfeito e água-pé, ainda são palavras complexas. São compostos, cuja estrutura é igual a N +Adj. e N + N, respectivamente. A primeira segue a regra geral de formação do plural dos compostos com esta estrutura, a segunda já está a seguir a regra geral de formação do plural das palavras simples.
Espero ter contribuído para o esclarecimento da sua dúvida.

Filomena Viegas

GramáTICª.pt
No caso de não estar ainda inscrito(a), por favor, entre como Visitante.
------------------------------------------------------

Os afixos de flexão

[Pergunta] Quais são os afixos considerados de flexão, inerentes às palavras simples?

Maria João Cunha:: Professora :: Vila Real, Portugal

[Resposta] Dependendo da palavra simples, ela poderá variar em género e em número, se se tratar de um nome ou de um adjetivo. Poderá variar em número, pessoa, tempo e modo, se for um verbo. Os elementos envolvidos nesta variação das palavras constituem os afixos de flexão, que se distinguem dos outros pelo facto de a palavra continuar a ser simples mesmo quando mudado o afixo, ou quando há mais de um afixo, como é o caso da palavra meninas, que tem o afixo de género -a e o afixo de plural -s.

Edite Prada:: 07/11/2011
--------------------------------------------- 

Radical, base e palavra simples no ensino em Portugal

[Pergunta] Estamos a programar o próximo ano letivo e eu e as minhas colegas deparámo-nos com a seguinte dúvida: como explicar a alunos de 5.º ano a noção de radical/forma de base/palavra simples? Será necessário abordar todos estes conceitos?

Muito obrigada pelos possíveis esclarecimentos prestados.

Aurora Saraiva:: Professora :: Lisboa, Portugal

[Resposta] Compreendo a preocupação, sobretudo num ano em que, em Portugal, todos os programas de Português do ensino básico vão entrar em vigor. Ao entrarem todos em vigor ao mesmo tempo, poderão acontecer perplexidades como a que é apresentada. Futuramente, quando ao 5.º ano chegarem alunos a quem já tenha sido veiculado o programa que vai entrar em vigor no próximo ano lectivo, essa questão colocar-se-á com menos acuidade, uma vez que os aspectos referidos são de aquisição explícita no 1.º ciclo, como se pode verificar na página 55 dos novos programas.
Se tivermos em conta o que se refere no programa anterior do 1.º ciclo, verificamos que não é explicitado esse conteúdo, sendo a referência mais próxima a que surge na p. 159: «Organizar famílias de palavras (segundo critérios diversificados).» É provável, pois, que os alunos se confrontem pela primeira vez com essa terminologia, não por ser nova, mas por não ser de explicitação obrigatória no ciclo de que vêm.

A problemática das famílias de palavras mantinha-se no programa do 5.º ano, ao passo que os conceitos de derivação e de composição eram abordados, segundo o programa que esteve em vigor até ao anterior ano lectivo, no 6.º ano (página 44 do programa). Imagino que seria aqui, no 6.º ano, que se impunha a introdução de termos como prefixo e sufixo.

Voltando à forma de abordar estes conceitos, na página 55 dos novos programas, já referida, na nota 1, refere-se como sugestão de actividades para a identificação de radicais e de afixos o seguinte: «Actividades que permitam descobrir que os afixos são portadores de sentido; descobrir o sentido mais frequente de alguns afixos (ex. –inho com sentido diminutivo; in- com sentido de negação).»

Por seu lado, na página 93 do novo programa, há, também, algumas indicações, nas notas 6 a 8, que poderão ajudar a abordar a questão. Por exemplo, na nota 6, refere-se a identificação de padrões de formação de palavras.

Na nota 7, explicita-se o trabalho com o sufixo -mente, que, de alguma forma, completa o que se diz na nota 6, uma vez que há uma regularidade, ou um padrão: aplica-se o sufixo ao feminino dos adjectivos…

Na nota 8 sugere-se a comparação de palavras para descobrir a sua formação.

Quanto à pergunta sobre a necessidade de abordar esses conceitos, uma vez que eles são do ciclo anterior, não vejo como não o fazer, até porque eles se tornam necessários para o desenvolvimento dos conhecimentos explícitos relativos à derivação e à composição, que, essas, sim, são de explicitação obrigatória no 2.º ciclo, mas não necessária e exaustivamente no 5.º ano.

Como abordar estes conceitos? Devo, antes de mais, referir que a didáctica do 2.º ciclo não é o meu forte, dado ser professora do 3.º ciclo e do secundário. Todavia, parece-me que o estudo das famílias de palavras pode servir de pretexto para introduzir estes conceitos. Ilustro com uma lista de palavras da família de doce: doce; agridoce; adoçar; docinho; doçura; adoçante; adocicar; adocicado; arroz-doce; batata-doce; delicodoce; doceira; docemente; erva-doce; adocicadamente.

Como é que os alunos conseguem fazer, ou identificar, uma família de palavras? Qual é o elemento que permite fazê-lo? Bom! Temos o radical… Mesmo quando na palavra há mais de um, como acontece em agridoce, delicodoce, arroz-doce, erva-doce e batata-doce, a família de palavras está construída em torno do radical doc... Como é que sabemos que o radical não é doce e, sim, doc? É só reparar em palavras como doce, docinho, adoçar. A vogal junto à consoante c muda, pelo que não faz parte do radical. Qual é a palavra que mais se aproxima do radical? Essa será uma palavra simples… As outras têm elementos que se podem unir a outras palavras para construir sentidos novos ou palavras novas: a- (linha: alinhavar; massa: amassar, fixo: afixar, etc.); -ura (amargo: amargura; aberto: abertura; armar: armadura, etc.); -inho (doce: docinho; rapaz: rapazinho, etc.). Acontece que esses elementos (a-, -ura e -inho) não têm vida própria, ou seja, não podem surgir sozinhos. Só fazem sentido associados a um radical. Por isso se chamam afixos, porque se afixam a um radical, ou a uma base…

Como falaremos de base? Base é, no Dicionário Terminológico (DT), um «[c]onstituinte morfológico, que inclui obrigatoriamente um radical, a partir do qual se formam novas palavras. Exemplos "doc-" é a base para "adoçar"; "adoça-" é a base para "adoçante".»

Se voltarmos à nossa família de palavras, e tendo em conta o que o DT refere, poderemos concluir que, em alguns casos, a forma de base se confunde com o radical. Noutros casos, ao radical já foram anexados outros afixos que o fizeram mudar, por exemplo, de classe de palavras. É o que acontece com adoçar, em que a doc, se acrescentou -ar, sufixo que serve para criar verbos. Ou com adocicar, que contém o sufixo -icar, que forma verbos veiculando, simultaneamente, uma ideia de diminutivo. Tanto o verbo adoçar como o verbo adocicar permitem associar à sua base outros sufixos para criar novas palavras, como é o caso de adocicado, adocicadamente, adoçante, adoçado...

Creio que poderão consultar com proveito as fichas para o 2.º ciclo que são apresentadas na página da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC). Na ficha 5 de CEL (Conhecimento Explícito da Língua), no exercício 2, há propostas de actividades que podem ser utilizadas para trabalhar esta temática.

Bom trabalho!

Edite Prada:: 28/07/2011
--------------------------------------------

A formação de vinagre, aguardente e fidalgo no Dicionário Terminológico

[Pergunta] Gostaria de saber onde se insere, no Dicionário Terminológico, a formação das palavras (antes denominadas de compostas por aglutinação) vinagre, aguardente, fidalgo e outras semelhantes.

Obrigada.

Rosélia Fonseca:: Professora :: Funchal, Portugal

[Resposta] Aglutinação é um termo que designa a forma que a palavra composta adquire. No Dicionário Terminológico (DT), como também na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, e ainda na obra de Margarita Correia e Lúcia Lemos, Inovação Lexical em Português, Edições Colibri, 2005, opta-se por uma designação que tem como base não a forma que a palavra adota, mas, sim, o tipo de relação, ou, melhor, o tipo de estrutura de cada palavra que vai entrar na composição. E essa relação pode ser morfológica, se se estabelece ligação entre um (ou mais) radical e uma palavra, ou morfossintática (para Margarita Correia, na obra referida, sintagmática), se a ligação se estabelece entre duas palavras (independentemente da presença do hífen).

Com base na definição constante no DT, poderemos dizer que vinagre e aguardente são compostos morfológicos, respetivamente vin + agre e agu + ardente. O caso de fidalgo causa algumas dificuldades de classificação. Se tivermos em conta a sua estrutura-base original, digamos assim, o que temos é uma expressão composta por duas palavras, ou, melhor, dois nomes, relacionadas entre si por uma preposição, filho de algo, não sendo comum a representação destas estruturas lexicalizadas com a forma aglutinada. Por outro lado, a classificação da forma fi- como radical de filho [latim filiu(m)] poderá ser problemática.

A questão que se coloca, e tendo em conta a necessidade de veicular os conceitos referentes à composição em contexto escolar, é a pertinência de utilizar exemplos cuja formação de base já não é sentida pelo alunos. Na verdade, fidalgo está atestada como palavra, segundo o dicionário Houaiss, desde o séc. XIII; vinagre, desde o séc. XIV, e aguardente, desde o séc. XV.

Do ponto de vista diacrónico da língua, são palavras compostas, mas do ponto de vista sincrónico, que nos deve levar a estudar a língua hoje e com as mudanças de hoje, pode não ser pertinente estudar exemplos cuja estrutura os alunos já não sejam, intuitivamente, capazes de identificar. Isso prende-se, claramente, com o exemplo fidalgo. Já com vinagre e com aguardente creio que o problema se não coloca de forma tão intensa. E coloca-se ainda menos se tivermos em conta que um dos exemplos de composto morfológico do DT é agricultura, identificada, no dicionário já referido, como palavra desde o séc. XV.

Em síntese, as três palavras em apreço são compostos morfológicos, constituindo fidalgo uma exceção, que pode dificultar a sua utilização para veicular regras gerais de formação de palavras.

Edite Prada:: 24/05/2011
-------------------------------------------------------


Sem comentários:

Enviar um comentário